quinta-feira, 28 de maio de 2009

To see a world in a Grain of Sand,
And a Heaven in a Wild Flower,
Hold Infinity in the palm of your hand,
And eternity in an hour.


William Blake

segunda-feira, 11 de maio de 2009

PERFEIÇÃO


Vejo a Perfeição em sonhos ardentes,
Beleza divina aos sentidos ligada,
Cantando ao ouvido em vez olvidada
Que do peito irrompe em raios cadentes

Que não posso prender. Seu cabelo vem
P'lo peito inocente onde, confundidos,
O ideal e o real são tecidos
E algo de alegre que ao céu fica bem.

Então chega o dia e tudo passou;
A mim regresso em dorido sentir,
Qual marinheiro que o naufrágio acordou

Do sonho de um campo em dia luminoso:
Ergue a cabeça e estremece ao ouvir
O rumor da descida ao abismo penoso.


Alexander Search

sexta-feira, 17 de abril de 2009

O PAPÃO


Atrás da porta, erecto e rígido, presente,
Ele espera-me. E por isso me atrapalho,
E vou pisar, exactamenet,
A sombra de Ele no soalho!

-"Senhor Papão!"
(Gaguejo eu)
"Deixe-me ir dar a minha lição!
"Sou professor no liceu..."

Mas o seu hálito
Marcou-me, frio como o tacto duma espada.
E eu saio pálido,
Com a garganta fechada.

Perguntam-me, lá fora: "Estás doente?"
- "Não!", (grito-lhes)... "porquê?!" E falo e rio, divertindo-me.
Ora o pior é que há palavras em que paro, de repente,
E que me doem, doem, doem..., prolongando-se e ferindo-me...

Então, no ar,
Levitando-se, enorme, e subvertendo tudo,
Ele faz frio e luz como um luar...
E ouço-lhes o riso mudo.

- "Senhor Papão!"
(Gaguejo eu) "por quem é,
"Deixe-me estar aqui, nesta reunião,
"Sentadinho, a tomar o meu café...!"

Mas os mínimos gestos e palavras do meu dia
Ficaram cheios de sentido.
Ter de mais que dizer..., ah, que maçada e que agonia!
Bem natural que eu seja repelido.

Fujo. E na minha mansarda,
Volvo-lhe: - "Senhor Papão!
"Se é o meu Anjo-da-Guarda,
"Guarde-me!, mas de si! da vida não."

O seu olhar, então, fuzila como um facho.
Suas asas sem fim vibram no ar como um açoite...
E até no leito em que me deito o acho,
E nós lutamos toda a noite.

Até que, vencido, imbele
Ante o esplendor da sua face,
De repento me prostro, e beijo o chão diante de Ele,
Reconhecendo o seu disfarce.

E rezo-lhe: - "Meu Deus! perdão...: Senhor Papão!
"Eu não sou digno desta guerra!
"Poupe-me à sua Revelação!
"Deixe-me ser cá da terra!"

Quando uma súbita viragem
Me faz ver (truque velho!...)
Que estou em frente do espelho,
Diante da minha imagem.


José Régio

quinta-feira, 16 de abril de 2009

UNIVERSALIDADE


Tantos e tais caminhos se enredavam
- Ah, rede sobre o abismo! - ante os meus passos,
Que me deixei ficar bamboando os braços
E olhando os outros todos que avançavam...

E todos que avançavam me clamavam:
- "Anda conosco em busca de Espaços!"
A todos eu olhava de olhos baços
E todos, rindo com desdém, passavam.

Que o meu caminho - o meu! - é que eu pedia.
E o meu caminho, ou eram todos eles,
Ou era, então, ficar parado e só.

Fiquei. Sou eu!, na encruzilhada... e um dia,
Tu, vento, que debalde hoje me impeles,
Por todos eles semearás meu pó!


José Régio

BELEZA HUMANA


Que tem que em raptos de feroz ternura,
Nas ondas da volúpia, ao meu estreite,
Nem sei se mais com dor, mais com deleite,
Do teu corpo a vibrátil escultura?

Sua forma é perfeita, a linha é pura,
A cor são rosas a boiar em leite...
Mas quando é que Outro em mim nos não espreite
Delirantes de amor na noite escura...?

Sémen, urina, bílis, cuspo, suor,
Da vida da escultura são penhor...
Como esquecê-lo, ó estátua corruptível?

Que inda nem lasso o abraço, ou o corpo lasso,
Já a decepção desse Outro é que enche o espaço...
E achar-te bela, ó bela!; é-me impossível.


José Régio

SONETO DE AMOR


Não me peças palavras, nem baladas,
Nem expressões, nem alma... Abre-me o seio,
Deixa cair as pálpebras pesadas,
E entre os seios me apertes sem receio.

Na tua boca sob a minha, ao meio,
Nossas línguas se busquem, desvairadas...
E que os meus flancos nus vibrem no enleio
Das tuas pernas ágeis e delgadas.

E em duas bocas uma língua..., - unidos,
Nós trocaremos beijos e gemidos,
Sentindo o nosso sangue misturar-se.

Depois... - abre os teus olhos, minha amada!
Enterrra-os bem nos meus; não digas nada...
Deixa a Vida exprimir-se sem disfarce!


José Régio

SÍNTESE


Alta comédia misteriosa, a Vida
Era um bem digno dom de altos senhores.
Nós é que somos tão banais actores
Que a comédia decorre incompreendida.

Vivendo à superfície, e de fugida
Entre a plateia, o palco, os bastiadores,
Mimamos o sorriso, o riso, as dores
Duma Vida maior nunca atingida.

Porém, às vezes, lá da esquina, surge
Quem, afrontando o bando de Panurge,
Se exibe duplo, intolerável, só!

Abrem-se então, no palco, os alçapões...
O homem cai ao poço. E as multidões
Vão depor loiros murchos no seu pó.


José Régio