sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

O SANTO DE PEDRA


- <> E partiram,
Cantando um hino de guerra.
Mas só meus olhos seguiam
No sulco em prata que abriam
Para a conquista da terra...

Pensava: Sou bem diferente!
Perdi-me do meu Planeta.
Deixa passar essa gente!
Que a tentação me não tente:
Sou triste, só, doido, poeta...

- <> me procavam
As virgens cujo olhar luz.
Mas só meus olhos sugavam
(Que os beiços se me fechavam)
As pontas dos seios nus...

Pensava: Quem me compreende?
Quem se dá como eu dou?
Não compro amor que se vende.
Não prosto quem se me rende.
Sou esta angústia que sou...

- <> E de abalada
Se iam tentar o futuro.
Mas só meus olhos de nada
Lhes iam atrás, na estrada
Que desagua-va no escuro.

Pensava: Porque tentar?
Li no meu corpo o meu fado.
Bem sei o que iria achar!
Prefiro deixar-me estar.
Ganho mais assim parado...

E vaidades e prazeres
Passaram com seus vaivéns.
Tentavam, como as mulheres,
Com blandícias: - <>
Com ousadia: - <>

Pensava: Aonde é que iria
Se em tudo só vejo o fundo?
Cada vez mais cada dia
Palpo a fronte, e a encontro fria
Dum sour moribundo...

E assim, fiquei, sem saber
Se aqueles que vira ir
Teriam ido vencer.
Não quis ouvir, nem quis ver,
Nem quis pensar, nem sentir...

Mas as vozes que passaram
- <>
De dentro de mim falaram.
Que as veias me tumultuaram
Sob regatos de chamas...

E igual me vi a vós todos:
Também eu ia arrastado.
Tentavam-me os mesmos lodos,
Tentando dos mesmos modos
O mesmo barro amassado!

Então, rescaldo que lavra,
Que rebenta, e se faz clarão,
Um grito se alevantava
Do fundo de mim... gritava
Três letras bem nuas: - <>!

(Não, que há um Outro maior,
Altivo, sereno, frio,
Que tenho por meu senhor...
E eu ponho-me ao seu dispor,
Olho ao longe, e renuncio!)

Ó Horto em que resolvi
Renúncia a todos e a tudo!...
E os olhos, lentos, desci...
E nunca mais os ergui,
Supremo, estático e mudo.

Tinha nas mãos um missal,
Aberto a páginas dez;
Às costas, o meu bornal;
Tapando a cinta, um saial;
E umas sandálias nos pés.

Mancharam-me de excrementos
As aves dos céus e a gente.
Mirraram-me os sóis e os ventos.
E durei séculos lentos
Naquela presença ausente...

Assim!, assim triunfei,
Num reino onde nada medra.
De tal reino é que sou rei...
Com sangue me libertei,
Mas consegui ser de pedra!


José Régio

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